Edmundo (Dedé) de Castro
Sem preconceito, sem mania de passado, seu querer ficar do lado de quem não quer navegar (Paulinho da Viola): slogan de Dedé de Castro para o jornal Unitário.
Com o falecimento de Edmundo de Castro, ocorrido na madrugada desta segunda-feira, desaparece um dos últimos ícones da geração genial e romântica do jornalismo cearense. Para mim, baseado na vivência que tive com cada um deles, os seis grandes foram, por ordem alfabética: Durval Ayres, Edmundo de Castro, Fenelon de Almeida, J. C. de Alencar Araripe, Moraes Né e Odalves Lima. Houve outros grandes jornalistas desse período, claro, mas estou a referir-me apenas aos que tive a honra e o prazer de conviver pessoalmente.
Dos seis citados, três – Durval Ayres,
Moraes Né e Odalves Lima – eram egressos de O
Democrata, jornal do antigo Partido Comunista Brasileiro (PCB) e se
consagraram depois no jornal O Povo.
A escola da esquerda que ainda pontifica até hoje nesses inglórios tempos de “nova
direita”..
Dedé de Castro era um ex-udenista
(simpatizante do antigo partido União Democrática Nacional-UDN), posteriormente
convertido ao marxismo e ao PCB. Perambulou (o verbo é esse mesmo, porque ele não
era de esquentar lugar e engolir sapos) em todos os jornais de Fortaleza.
Durval
Ayres era também escritor consagrado, membro da Academia Cearense de Letras,
editorialista de Gazeta de Notícias e
O Povo. Um grande romancista, de
espírito aberto e desprendido. Estilo elegante no manuseio do texto.
Fenelon Almeida, também escritor, era
esquerdista cristão e, nos seus últimos anos, voltado mais para a doutrina
espírita, sem jamais abandonar a defesa das causas sociais. Com este convivi
mais de perto – foi meu chefe no antigo Departamento de Pesquisa de O Povo – e com ele hauri inesquecíveis
lições.
Moraes Né era outro titã do jornalismo
cearense. Dotado de impressionante cultura, escrevia sobre qualquer assunto com
grande conhecimento de causa. Tinha temperamento explosivo, mas era homem
pacato, simples, generoso e sempre disposto a ajudar os que se iniciavam na
profissão. Foi o primeiro jornalista cearense a tratar com seriedade do
problema do meio ambiente neste Estado. Mas
era perfeito em tudo o que fazia.
Odalves Lima, que se destacava como
editorialista também no O Povo, tinha
um dos melhores textos do Brasil, sem exagero. Um ás das “pretinhas” (gíria
usada para designar as letras das velhas, hoje peças de museu, máquinas de
escrever).
J. C. de Alencar Araripe destoa do sexteto
em termos ideológicos, não de competência e honradez: era, digamos, um
centro-direitista, mas sempre valoroso e íntegro, que sabia reconhecer
qualidades nos colegas dos quais ele discordava. Fez toda sua carreira no O Povo. Com ele, meu chefe superior
(Fenelon era chefe imediato), aprendi ensinamento que nunca esqueço: “Tudo pode
ser dito. Depende da maneira com que você diz”.
Parafraseio Shakespeare (Júlio César, no discurso de Marco Antônio)
e digo: “Perdoai-me, mas tenho o coração neste momento, no ataúde de Dedé de Castro (Marco Antônio, no texto
shakespeariano, referiu-se a César); é preciso calar até que ao peito ele me
volte”.
Conheci Edmundo de Castro antes de eu
sonhar em ser jornalista. Em 1968, eu com 18, 19 anos, no meu primeiro emprego:
operador de telefones da Empresa Brasileira dos Correios e Telégrafos (ECT),
ainda com cara de DCT (Departamento dos Correios e Telégrafos), mas a mudança
formal de repartição pública para empresa estatal já havia se realizado.
Tomei susto ao tomar conhecimento que, a
meu lado, trabalhava, na mesma função, um jornalista consagrado, autor de
reportagens famosas e ganhador de vários prêmios de jornalismo. Era o Dedé de
Castro, na época um quarentão. O setor: a Radiofonia da ECT. Era difícil (como
ainda é hoje sobreviver apenas com salário de jornalista). Não havia discagem
direta à distância e as ligações era feitas pelos Correios, em turmas divididas
em três turnos: manhã, tarde e noite, ligadas à central no Rio de Janeiro. Éramos
da turma da noite. Chamava-me a atenção a maneira altiva com que Dedé tratava
os colegas cariocas (alguns, não todos, eram meio boçais), com os quais nos
comunicávamos para completar as ligações.
Reencontrei-o dois anos depois no
jornalismo, mais famoso ainda. Passamos então a conviver com mais frequência, principalmente
nos bares de Fortaleza. Nas conversas, no meio das quais ele se autodenominava
Dedé Beira D´Água, aprendi a admirar aquele cidadão de Itapipoca, mais
precisamente do Córrego dos Cajueiros, lugar que ele sempre fazia questão de
citar. Gostava de repetir o verso da canção Argumento, de Paulinho da Viola: "Sem preconceito, sem mania de passado, seu querer ficar do lado de quem não quer navegar", que usou como slogan do Unitário, na sua curta e marcante temporada como editor deste jornal dos Diários Associados. Eu vibrava com os prêmios por ele conquistados (foram muitos). Em 1987
ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo (o Nobel da imprensa brasileira) com a série
“O Nordeste por trás das grades”, publicada no Diário do Nordeste. Dedé de Castro editou também a revista cultural O Saco, fundada pelo poeta e livreiro Manoel Coelho Raposo, que revelou grandes talentos literários: Nilton Maciel, Carlos Emílio Corrêa Lima, Jackson Coelho, entre outros.
A convivência se tornou maior quando fundamos,
em 1977, o jornal alternativo Mutirão,
juntamente com Francis Vale, Célia Guabiraba, Gervásio de Paula, Maria Luiza Fontenele, Rosa da
Fonseca, Luiz Carlos Antero, Agamenon Almeida, Silas de Paula e outros. Edmundo
de Castro assinava a coluna O Cacete do
Dedé Incomodava muita gente (os poderosos e os coleguinhas petulantes eram seu
alvo predileto). Mutirão era mais
influenciado pelo pessoal do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), embora
abrigasse pessoas de outras tendências.
Em 1985, novo reencontro: desta vez no Diário do Nordeste, onde ele era
pauteiro. Dedé foi um mestre do jornalismo, um guru, e nessa condição, teve
discípulos, entre os quais eu também me incluo, juntamente com Francisco Bilas
(falecido), Carlos Alberto Alencar, Neno Cavalcante, Mozarly Almeida e muitos
outros.
Nesses intervalos de locais de trabalho,
sempre frequentava, periodicamente a casa de Dedé de Castro nas Damas, perto da
Casa do Português, onde vivia ao lado da esposa, dona Nenen, e do filho Paulo Afonso,
quando este era solteiro.
Dedé de Castro foi e sempre será um dos
meus tipos inesquecíveis. Adeus, amigo.
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