sábado, 29 de outubro de 2016

Votar nulo é ajudar o Capitão. O certo é votar em Roberto Cláudio.



     Na reta final do segundo turno da eleição municipal é hora de reflexão. Eleitor de Luizianne Lins (PT), eu agora começo a questionar até a necessidade da candidatura petista na primeira etapa da campanha. Vamos aos fatos e ponderações.
     Antes de entrar no mérito da questão, esclareço dois pontos importantes:
     1º - Estou a fazer essas considerações na condição de cidadão e de eleitor. Coloco-as em discussão para o chamado pensamento progressista de Fortaleza, responsável por grandes campanhas de candidaturas populares em passado distante (não tão longínquo no que se refere à História), outros ainda próximos para quem tem mais de 50 anos e alguns bem recentes para todas as gerações.  
     2º - Sou eleitor de Luizianne Lins (primeiro turno em 2016), no segundo turno em 2004 (no primeiro turno votei, com muita honra em Inácio Arruda, do PCdoB) e, no turno único em 2008. Em 2012, votei em Elmano Freitas, candidato de Luizianne, no segundo turno. No primeiro turno, votei, repito, com muita honra, em Inácio Arruda.
     Em suas duas administrações, Luizianne Lins preocupou-se com o bem-estar (saúde e educação) da população da periferia e melhorou, em muito, o padrão das escolas municipais. São fatos incontestáveis.
     Agora, no segundo turno, é preciso refletir, de cabeça fria. Estamos hoje em cenário dos mais difíceis,  tenebrosos e adversos para as forças progressistas. Entre estas se incluem: esquerdistas, democratas autênticos, patriotas, democratas trabalhistas e defensores do Estado Democrático de Direito e da soberania do Brasil (nem todos e todas a favor das bandeiras da esquerda). O resultado do primeiro turno demonstrou: o bombardeio midiático incessante intensificado desde 2014 alcançou êxito em determinadas camadas populares. Os resultados (fatos) estão aí para quem quiser constatar..
    Sem rodeios e sem panos mornos,  o que se vê após os resultados do primeiro turno na maioria das capitais brasileiras? O risco de legitimação – pelo voto popular – do golpe mais covarde, indigno, cínico e antipopular praticado na história da República brasileira. Mais do que nunca é hora da união das forças anti-golpistas e populares.
     No caso específico de Fortaleza, deparamo-nos com as seguintes candidaturas no segundo turno:
     Roberto Cláudio (PDT), atual prefeito de Fortaleza, apoiado pelo grupo dos Ferreira Gomes, cujos expoentes máximos são os ex-governadores Ciro e Cid Gomes. Os Ferreira Gomes, não obstante todo o mandonismo e inúmeros defeitos, se colocaram na linha de frente na defesa do mandato da presidenta Dilma usurpado pelos golpistas. Têm-se mantido em oposição radical ao governo Michel Temer. O prefeito Roberto Cláudio também se posicionou a favor da presidenta Dilma e contra o golpe. Enquanto isso, o candidato a vice-prefeito de Roberto Cláudio, o deputado federal Moroni Torgan (DEM) votou a favor do golpe, além de ser conhecido pelo discurso truculento. Mas, é preciso que se diga, contrariando orientação do DEM, Moroni ausentou-se, do plenário da Câmara dos Deputados, nas duas votações da PEC 241 (Proposta de Emenda Constitucional), que encolhe o Brasil, dá marcha ré ao País por 20 anos e castiga as camadas populares de uma forma jamais ousada pela ditadura militar.
     Mas, quem está do outro lado?  Capitão Wagner, pela coligação PMDB/PR/PSDB/SD, candidato a Prefeito. Sabemos que, por trás desse conluio, está o que há de pior na política cearense: senador Eunicio Oliveira (PMDB), golpista milionário (com agravante: golpista traíra, vira-casaca, trânsfuga), político praticante do seguinte slogan: tenho dinheiro e compro tudo. Além disso, proprietário de grandes empresas de segurança. Esse homem vai querer uma Fortaleza segura e perder clientes ricaços?  Senador Tasso Jereissati (PSDB), golpista de primeira hora, plutocrata sempre disposto a votar contra os interesses do povo. Os demais partidos representam a escória do lixo golpista, a começar pelo partido do capitão Wagner: PR (o ex-presidente deste partido, Alfredo Nascimento, votou a favor do golpe por ter sido afastado  por corrupção do Ministério dos Transporte pela presidenta Dilma Rousseff); Solidariedade: este é presidido por Paulo Pereira da Silva, o famigerado Paulinho da Força. O nome dispensa comentários, mas só lembrando: ele já foi condenado na Justiça por improbidade administrativa e é réu no STF acusado de desviar dinheiro do BNDES.
     Mas voltemos ao primeiro turno, hoje percebo o erro da candidatura de Luizianne Lins e faço as seguintes indagações: a ex-prefeita agiu por vaidade pessoal? Ou a candidatura foi movida apenas pelo rancor contra os Ferreira Gomes? São pontos que coloco em discussão. Lembro que foi oferecida à tendência petista comandada por Luizianne Lins a candidatura a vice-prefeito na chapa de Roberto Cláudio. Se o convite tivesse sido aceito não existiria a candidatura de Moroni Torgan e as forças anti-golpistas estariam unidas em Fortaleza.
     O isolamento do PT no primeiro turno prejudicou bastante o partido na eleição proporcional: os petistas elegeram apenas dois vereadores. Poderia ter elegido três – ou até quatro representantes municipais – se tivesse feito uma coligação.
     Ressalte-se, a bem da verdade, que não foi apenas o PT o prejudicado nas eleições proporcionais. O PCdoB entrou numa esdrúxula coligação com o DEM e o PSD, elegendo apenas um vereador. Mesmo com a opção pela coligação majoritária (a prefeito) com Roberto Cláudio, se, para a Câmara Municipal, esta tivesse ocorrido com o PT, os resultados, com certeza, teriam sido melhores para os dois partidos.
     Na reta final da campanha do segundo turno surge movimento a pregar voto nulo. Essa decisão não beneficia Fortaleza. Votar nulo no segundo turno é prestar favor ao capitão Wagner e às forças obscurantistas e repressoras que se aglutinam em torno dele.
     A saída, para o eleitorado progressista, é o voto em Roberto Cláudio.

domingo, 4 de setembro de 2016

Francis Vale comenta livro de Galba Gomes e reafirma hegemonia do PCdoB no final dos anos 60 no CE

     O cineasta, compositor e advogado Francis Vale (foto), em mensagem (e-mail) enviada a este blog, faz comentário sobre o livro O Sonho é Realidade, escrito pelo odontólogo Galba Gomes.  e lançado em Fortaleza no último mês de julho. A publicação foi objeto de análise no Coluna da Hora em agosto passado e teve 569 visualizações.
     Francis concorda com o blogueiro sobre a omissão do autor no que se refere à hegemonia do PCdoB no movimento estudantil cearense no final dos anos 60. Destaca o início da organização do PCdoB no Ceará em 1965 (há exatamente 51 anos) e sua estruturação no movimento universitário a partir de 1966, trabalho que se estendeu ao movimento secundarista nos anos posteriores.
          Hegemonia
Eis a mensagem de Francis Vale: "Paulo, li seu comentário sobre o livro do Galba.Você tocou num ponto sobre o qual há uma omissão total por parte do autor e colaboradores: a hegemonia do PCdoB no movimento estudantil da época.
     Para entender aquela situação é preciso ir à questão política central. No final de 1965,quando resolvemos sair do PCB e organizar o PCdoB na UFC, houve uma longa discussão com críticas à política da esquerda antes do Golpe. Verificamos ( João de Paula, Pedro Albuquerque, Assis Aderaldo, Ozéas Duarte e Francis Vale) que a UNE e as UEEs estavam afastadas dos estudantes porque priorizavam palavras de ordem de caráter político geral e esqueciam os problemas específicos (falta de bebedouros, salas sucateadas, falta de vagas no Restaurante Universitário e nas Residências etc). 
     A partir dessa visão, passamos a ver que para mobilizar os estudantes para a luta política e ideológica seria necessário sensibilizá-los a partir de seus problemas mais diretos.Com a obtenção de pequenas vitórias íamos acumulando força para mobilizações maiores. A partir dessa nova visão, passamos a conquistar cargos nos diretórios e a ampliar nossa área de influência.
     Essa política de amplitude foi que possibilitou  a hegemonia que depois se estendeu ao movimento secundarista.

     Talvez isso explique o fato de aquele partido ( "com todos os erros, pecados e vícios") até hoje exercer influência no meio político cearense. Tanto que, em determinado momento, teve um senador, dois deputados federais, deputados estaduais e vereadores. Afinal, isso não surgiu do nada, mas da história de amplitude política ocorrida através dos anos. Ou teria outra explicação? Um abraço do Francis".  

segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Sonho e realidade de Galba Gomes

Capa é projeto de Luís-Sergio Santos e desenho de Fausto Nilo

          Sótão, montanha, rio, campo/cidade – ou Coreaú/Fortaleza – os anos 60 – o movimento estudantil e as lutas contra a ditadura militar – são temas chaves do livro O Sonho é Realidade, de Galba Gomes.  O lançamento ocorreu em 19 de julho último, na Associação Brasileira de Odontologia-CE, na capital cearense.
     Festa abrilhantada pela calorosa, leve – sem jamais perder a profundidade – e bem-humorada apresentação de João de Paula Monteiro Ferreira, um mestre despretensioso – e arrebatador – da arte de falar em público.
      O projeto gráfico é do jornalista e professor Luís-Sergio Santos. A capa, com logotipo criado por Fausto Nilo para o antigo Diretório Central dos Estudantes (DCE) da metade e final dos anos 60, remete a antigos sonhos e lutas. Merece especial registro o erudito texto da orelha do livro, a cargo do professor – de Ética e Filosofia do Direito – Oscar d´Alva Filho.

          Sótão     
     Mas o que sótão, rio, montanha, campo e cidade e anos 60 (movimento estudantil e outras efervescências sociais e culturais) têm a ver com O Sonho é Realidade?
     Na cidade de Coreaú, terra natal do autor, havia (talvez ainda exista) uma casa com sótão que despertava no menino Galba o desejo de superação de conhecer o proibido, inacessível na sua intimidade, o, desejo de desvendar tudo considerado inexpugnável (o grifo em itálico – letras inclinadas – indica o texto do escritor).
     Poderia ser a vocação para a Ciência, a bendita curiosidade que levou nossos ancestrais às grandes descobertas? Insatisfação com a ordem pré-estabelecida? Busca de sublimação? (O sótão é, depois do teto, a parte mais alta de uma casa). Sótão leva-nos também a Carl Gustav Jung no livro Memórias, Sonhos, Reflexões. Ele também era atraído por um sótão, na infância.                                                       
     Leiam o livro e tirem suas conclusões.

               Rio
        Outro objeto do fascínio de Galba Gomes era o rio Coreaú:
     Mergulhar nas águas do gerava sensação de liberdade e alegria, de bem-estar com a percepção de ser este um lugar transformador, capaz de propiciar autonomia, decorrente da vontade inata de buscar afirmação na condição de ser um destemido e pronto para enfrentar o mundo.             Segundo o Dicionário de Símbolos, “o rio simboliza o fluir das águas e a fluidez das formas, a fertilidade, a morte, a renovação, a mudança constante. O filósofo grego dizia que não é possível entrar duas vezes no mesmo rio. A correnteza do rio simboliza a corrente da vida e da morte”.

        Montanha
     E montanha? O autor de O Sonho é Realidade gostava de contemplar, quando menino, em Coreaú, a silhueta da Serra Grande (Ibiapaba) e já fazia inquietantes indagações: 
    O mundo vai além daquela serra? Como é o além daquela serra? Há outras terras e outra gente por detrás daquela serra? Essa reflexão, sem resposta, significava de maneira empírica e fantasiosa a busca do sentido do espacial, do temporal, da existência de outras vidas na visão interrogativa do sujeito ainda criança, visão estimuladora e compositora do sentido inato dos indivíduos na busca da integração, no mundo e para o mundo.
     Essas palavras precisam de explicação?
     Fiquemos, por enquanto, em sótão, rio e montanha. Campo está incluído nos dois primeiros ou em outros tópicos seguintes deste comentário. Cidade (Fortaleza), anos 60 e movimento estudantil serão comentados mais adiante.
              
           Convergências    
              Conheço o odontólogo, psicólogo e professor Galba Gomes desde o final dos anos 70 ou início dos 80. Fui apresentado a ele por um amigo. comum: o jornalista Gervásio de Paula, o qual, na época, editava jornal da Associação Brasileira de Odontologia (ABO)- secção do Ceará.
         Poderíamos ter-nos conhecido muito antes, porque temos vários outros pontos em comum. O primeiro deles: sou parente por afinidade – ou contraparente – do Galba Gomes.
             Outras convergências: também morei no bairro Jacarecanga, estudei no Colégio Cearense, participei do movimento estudantil nos anos 60. Fomos presos políticos (eu por quatro meses, ele por três dias, em datas, ocasiões e motivos diferentes).
          Para completar: gostamos do Centro de Fortaleza e fomos filiados, nos anos de 80 e 90, ao Partido Democrático Trabalhista - PDT.
           Temos divergências, aprofundadas e radicalizadas a partir de 2014. O relacionamento pessoal, no entanto, não foi afetado. Faço opção, neste espaço, em discorrer apenas sobre as convergências e a respeito do livro O Sonho é Realidade.

O autor com a revisora do livro Rejane Barros
               
Contraparente         
     Segundo o dicionário Caldas Aulete, contraparente é o “parente por afinidade; pessoa com a qual o vínculo de parentesco se estabelece em decorrência de casamento com algum parente direto”.
     Descobri recentemente: um primo do Galba, Edson Gomes, também odontólogo, já falecido, era casado com uma prima minha, a professora de Música (piano) da Universidade Estadual do Ceará (Uece), Rita Maria Pereira Gomes. Então somos primos por afinidade.

               Colégio Cearense         
     Outro elo significativo: o Colégio Cearense do Sagrado Coração (Marista), onde Galba Gomes foi aluno interno do final da década de 50 a 1960. Estudei ali, de 1963 a 1968, isto é, da primeira série do antigo Curso Ginasial ao segundo ano do então Curso Científico.
     Deixemos Galba Gomes falar sobre o Cearense em O Sonho é Realidade:
          O Colégio Cearense gerava um impacto forte para os novatos que ali chegavam. O lugar era bem elitizado, a arquitetura muito bonita, uma quadra de esportes que causava a admiração da garotada, arquibancada de cimento com quatro lances, era um mundo novo para todos. Até a água usada era mineral magnesiana, da fonte lá existente.         
          A arquitetura permanece a mesma, mas o Colégio Cearense fechou em 2007, para tristeza de muitos dos seus ex-alunos.  O antigo prédio foi preservado (tombado) pelo patrimônio histórico do município de Fortaleza e do Estado do Ceará. Para garantir ainda mais a integridade do conjunto arquitetônico seria bom que a União (governo federal) adotasse idêntica medida. A fonte de água mineral teve de ser fechada, muito antes do colégio, devido às infiltrações poluentes do lençol freático de Fortaleza. Uma lástima.

         Centro de Fortaleza
     Eu e Galba – outra afinidade – somos admiradores e entusiastas da malha central da capital cearense, hoje desprezada pelos poderes públicos, empresariado e por alguns setores da população.
     O Centro, para a minha geração e a do Galba, era o ponto de convergência da provinciana capital dos anos 50 e 60.  Eu, nascido e criado em Fortaleza, com algumas passagens pelo Interior do Ceará (Guaramiranga e Palmácia, ambas no Maciço de Baturité). Ele, natural de Coreaú, sua inesquecível Palma (antigo nome da cidade da Zona Norte cearense), veio para Fortaleza ainda criança e descobriu os encantos da capital ainda provinciana. Tornou-se fortalezense de coração.
       Mesmo com a degradação e as opções dos shoppings centers, a área central continua a povoar o meu imaginário. Anima-me a esperança, talvez sonho irrealizável, de ver o Centro, principalmente o seu ícone maior, a Praça do Ferreira, voltar aos seus tempos áureos.  
          Ninguém melhor do que Galba Gomes para expressar esse sentimento no livro O Sonho é Realidade:
           A Praça do Ferreira. Nada acontece nesta cidade que não surja ou repercuta ali. É um lugar que energiza, charmoso, bonito e privilegiado pelo próprio clima sempre ameno”.

            Jacarecanga
     Galba Gomes descreve, com rara maestria e muita sensibilidade, o bairro do Jacarecanga dos anos 60:
     Em 1962 mudamos de endereço e fomos morar na Av. Francisco Sá, no bairro Jacarecanga que possuía uma arquitetura encantadora, habitado por algumas famílias ricas da época. Tinha casas bonitas, bem estruturadas, um local organizado e gostoso de morar. Hoje o bairro se descaracterizou coma demolição de vários de seus belos sobrados.
    O escritor relembra figuras e fatos do Jacarecanga com os quais convivi ou presenciei. Eu morava na rua paralela à Avenida Francisco Sá, Rua Monsenhor Dantas, continuação da Rua São Paulo, na antiga Vila José Pinto do Carmo. O início da Avenida Francisco Sá, onde morou Galba Gomes, era habitado por famílias da burguesia ou alta classe média.
     Um dos tipos marcantes era o Clorimel, esquerdista, possivelmente ligado ao PCB, e proprietário de um bar. Eu não tinha muito contato com o Clorimel. Quem era ligado a ele era outro grande amigo meu, o hoje farmacêutico Francisco Edson Pereira, morador do bairro naqueles tempos.
     Eu frequentava a casa de um irmão do Clorimel, o Cocibel. Percebe-se que os pais de ambos não foram – digamos – muito felizes na escolha dos nomes dos filhos: Clorimel e Cocibel... Imaginem!
     Galba revive episódio do qual eu lembro muito bem. A pregação de um pastor evangélico, metido a milagreiro, na Praça Gustavo Barroso (Praça do Liceu). Atraía multidões, fenômeno comentado em toda a cidade. O show do religioso durou cerca de uma ou duas semanas, sempre no início da noite. Deixemos o autor narrar o fato, no qual esteve envolvido o esquerdista Clorimel:
     No início dos anos 60 apareceu um milagreiro charlatão que reunia milhares de pessoas na Praça do Liceu. Uma noite a molecada pediu emprestada a cadeira de rodas de um portador de deficiência, vizinho, e levaram o Clorimel na cadeira, bêbado, para obter o milagre, com o intuito de desmistificar e debochar o charlatão. Quando o pregador charlatão anunciou que os cegos iriam enxergar, os aleijados andarem, o Clorimel aos gritos começou a pular e subiu ao palanque onde o milagreiro anunciou o falso milagre.
     Depois do relato do Galba sobre o fato, deixo minha impressão: ainda hoje eu recordo o nome do “milagreiro”. Era um pastor evangélico e norte-americano, jovem, talvez não tivesse 30 anos. Falava em inglês para o público e necessitava sempre da ajuda de um intérprete para tudo que dizia. Tenho excelente memória e, apesar de o nome não ser citado no livro, este logo me veio à mente: Morris Cerullo. Pesquisei no Google e Youtube. Para surpresa minha descobri que o malandro ainda hoje está vivo e continua a fazer as mesmas presepadas “milagreiras”. Tem 81 anos. É o precursor e inspirador de canalhas – todos golpistas – do tipo Silas Malafaia, Marcos Feliciano, pastor Everaldo – e outros enganadores da boa fé do povo simples. Doidos...  Por dinheiro.

              Movimento secundarista/golpe militar
     Galba Gomes participou do movimento estudantil desde o início da década, no Liceu do Ceará. Ligou-se, depois, aos trotskistas da clandestina IV Internacional, sem ser militante, quando era universitário; eu, secundarista, em 1968 e 1969, militante do, também clandestino, na época, Partido Comunista do Brasil - PCdoB.
     Não foi no conservador, rígido e elitista Colégio Cearense (Marista) que Galba Gomes deu seus primeiros passos no movimento estudantil, mas no também tradicional, porém muito mais aberto, Liceu do Ceará:
    Ingressar no Liceu do Ceará em 1960 foi algo de muita significância. Estudar lá possibilitou a visão crítica com a forma de ver e sentir o mundo, de forma diferente, crítica. Teve grande valor para formar a personalidade de futuro militante, na política estudantil, na luta pela melhoria e direito a uma vida de qualidade e respeito humano.
     O inconformismo com as injustiças sociais, inclusive o racismo, vem, no entanto, de Coreaú, e é contado nessas memórias. Galba, criança de classe média, já se incomodava com o fato de ver seus companheiros de brincadeiras, meninos pobres, sem acesso à  educação, saúde e até a ima alimentação mais consistente. Festas para brancos e pretos (ou pardos) no Coreaú dos anos 50 também lhe causavam justa indignação. 
     O autor escreve, com leveza e sensibilidade de memorialista, sobre a agitação e a polarização esquerda/direita do início e metade dos anos 60, que culminaram com a deposição do presidente João Goulart e a instauração da ditadura militar em 1964.    
     Pela ótica de Galba chegam-nos pessoas e episódios marcantes daqueles anos dourados: o CLEC (Centro Liceal de Educação e Cultura), versão liceísta e secundarista do CPC (Centro Popular de Cultura) da UNE (União Nacional dos Estudantes), que aglutinava os estudantes universitários em termos nacionais.  O CLEC empreendeu campanhas e forjou grandes lideranças. As refregas dos estudantes do Liceu com soldados do Corpo de Bombeiros (seus vizinhos) e com a empresa de transporte coletivo do Sr. Oscar Pedreira, da linha Jacarecanga-Centro (e vice-versa), com os famosos e inesquecíveis ônibus de cor verde-escura.
     Entre esses líderes destaca-se a figura lendária do Parangaba, cujo nome era Carlos Augusto de Lima Paz, um dos maiores líderes secundaristas do início dos anos 60.
     No movimento secundarista e universitário, antes de 1964 e até um pouco depois, já se delineavam disputas de influência entre militantes do PCB (Partido Comunista Brasileiro) e as organizações Juventude Estudantil Católica – JEC -, secundarista, e Juventude Universitária Católica – JUC que deram origem, um pouco mais adiante, à Ação Popular, de tendência católico-esquerdista. Galba Gomes nos fala de uma terceira força, a Juventude Independente do Liceu (JIL), da qual alguns (não todos) se ligariam depois aos trotskistas, inclusive o próprio Galba Gomes.
     A partir de 1966, 1967 e 1968, outra força de esquerda se tornaria preponderante no Liceu e em quase todo o movimento estudantil: o Partido Comunista do Brasil (PCdoB).

          1968: antecedentes e consequências
     Se o início da década de 60 (período que antecedeu a deposição do presidente João Goulart) foi muito agitado, o ano de 1968 teve muito mais agitação e efervescência cultural. Marcou o auge da resistência estudantil ao golpe militar de 1964. Por outro lado, aquele ano é divisor também da repressão da ditadura contra os movimentos populares, inclusive o estudantil.
     O ano de 1965 registra o ingresso de Galba Gomes na Faculdade de Odontologia da Universidade Federal do Ceará (UFC). O contato mais aprofundado com as tendências de esquerda a disputarem a preferência da massa estudantil universitária: Partido Comunista Brasileiro (PCB), Ação Popular (AP), Partido Comunista do Brasil (PCdoB), IV Internacional ou Partido Operário Revolucionário Trotskista - PORT, a preferida do jovem estudante de Odontologia.
     Aí vai minha primeira – e única – crítica ao livro: tenho a impressão  que o autor procura minimizar a importância do PCdoB no movimento estudantil (universitário e secundarista) naquele período. O PCdoB era, em Fortaleza, a principal força desse segmento em 1968 (com demonstrações de vitalidade já em 1966 e 1967). Como diria Caetano Veloso em Tropicália, no Ceará, o PCdoB organizava o movimento! Esse fato fica, no entanto, encoberto nas páginas de O Sonho é Realidade.  
     Em termos nacionais tal situação era inusitada, nos anos finais da década de 60. O PCB – Partido Comunista Brasileiro – havia se retirado do movimento estudantil. No Rio de Janeiro (na época sede da cidade-estado da Guanabara, cuja capital era a própria cidade do Rio de Janeiro, vizinha do velho Estado do Rio de Janeiro, que tinha como capital Niterói. Imaginem a confusão para os jovens de hoje entenderem isso) e São Paulo, as grandes caixas de ressonância nacionais, o movimento estudantil era liderado pelas chamadas Dissidências do PCB (Vladimir Palmeira, do Rio, e José Dirceu, de São Paulo, rompidos com esse partido) e pela Ação Popular – AP - (Luís Travassos). Os trotskistas, embora tivessem grandes, aguerridos, respeitados e preparados líderes em quase todas as capitais brasileiras, não dispunham de nenhuma liderança com a visibilidade nacional dos nomes citados.
    Por que o PCdoB tinha (e ainda tem) tanta força em Fortaleza?
     Dois motivos essenciais:
     1º - Em Fortaleza, os jovens que discordavam da posição conciliadora do Partido Comunista Brasileiro (PCB) não criaram grupo do tipo Dissidência da Guanabara (DI-GB) e Dissidência de São Paulo (DI-SP). Não houve uma DI-CE: Os dissidentes do PCB fortalezenses abrigaram-se, em sua grande maioria, no PCdoB, que se proclamava legítimo herdeiro e continuador do pai de todos os PCs: o antigo Partido Comunista do Brasil (PCB. O "do" não entrava na sigla. Foi entrar depois da criação do PCdoB);
     2º - No movimento estudantil, os militantes do PCdoB, embora adotassem postura radical contra a ditadura militar, mantinham também uma política “pé-no-chão” no que se refere às reivindicações específicas dos estudantes: melhoria do ensino curricular e das instalações das faculdades e colégios (salas de aulas condignas, bebedouros, etc).  Enquanto isso, militantes trotskistas e até da AP deliravam em grandes elucubrações anticapitalistas, a pregar a “revolução socialista” ou “proletária”. A massa estudantil – formada por meros simpatizantes da esquerda e muitos setores apolíticos – preferia o discurso pé-no-chão do PCdoB.  
    
          Omissões
     Galba Gomes é muito melhor quando disserta, narra ou descreve o movimento estudantil do começo dos anos 60, isto é, antes da ditadura militar. Na parte referente à agitação pós-ditadura, principalmente o auge, 1968, vemos um Galba cauteloso e pouco detalhista, principalmente no que diz respeito à disputa entre as tendências de esquerda.
     Ao falar da reorganização do movimento estudantil, no período da ditadura militar, porém antes do Ato Institucional Nº 5 (AI-5),  Galba Gomes relata a eleição do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Universidade Federal do Ceará (UFC) em 1966, numa frente de esquerda, quando foi eleito presidente o estudante de Economia Homero Castelo Branco. Houve ainda eleição dos respectivos diretórios acadêmicos. Até aí tudo bem.
     Refere-se também à eleição de João de Paula Monteiro Ferreira, aluno da Faculdade de Medicina, à presidência do DCE, em 1967, com apoio das diferentes tendências do movimento universitário. A eleição de João de Paula para a presidência do DCE é narrada na página 152 de O Sonho é Realidade, mas o fato de João de Paula, na época, ser militante do PCdoB, só vem a ser dito apenas na página 162 do livro. Dez páginas depois.
    Mais adiante, no capítulo  5, com título 1968: Tendências Ideológicas e subtítulo cisão, o autor, de repente, se torna incisivo e detalhista:
     Em março de 1968 irrompe uma dissidência no DCE e três das tendências ideológicas decidem lançar chapa ao DCE. O PCdoB lança José Genoino, os Trotskistas lançam Arlindo Soares. A AP (Ação Popular) Mariano Freitas, narra Galba.
     É a minha ressalva ao livro: o PCdoB – emergente (e já majoritária tendência de esquerda) no Ceará – elege os presidentes do Diretório Central dos Estudantes da UFC em dois anos consecutivos (1967 e 1968) e essa dupla vitória passa quase despercebida nas páginas de O Sonho é Realidade.
Ressalte-se ainda que o PCdoB  já controlava, em 1968, o Centro dos Estudantes Secundaristas do Ceará (CESC). Era, sem dúvida, a força hegemônica de todo o movimento estudantil em 1968, ano de sonhos e de lutas.  
    Maior importância é dada no livro à eleição de Inocêncio Uchoa, trotskista filiado à IV Internacional, à presidência do Centro Acadêmico Clóvis Bevilacqua da Faculdade de Direito da UFC. Diretório Acadêmico da mais alta relevância, não resta a menor sombra de dúvida, mas abaixo da magnitude do Diretório Central dos Estudantes (DCE), entidade representativa de todos os universitários cearenses na época.  

         Lutas, formatura e o discurso não proferido
     O escritor transporta-nos para outros fatos relevantes ocorridos nos anos de 1967 e 1968 em Fortaleza: passeata dos 20 mil, quebra-quebra do USIS (United States Information Service), escritório ligado à embaixada dos EUA no Brasil; repressão policial, os Congressos da UNE de 1967 (Valinhos-SP, do qual Galba foi participante) e o de Ibiúna, também em São Paulo, onde cerca de mil participantes foram presos pela repressão.
   Chegam-nos também, pelas páginas de O Sonho é Realidade, o auge da repressão e do obscurantismo que se abateu pelo País com a decretação do Ato Institucional Nº 5 (AI-5), o golpe dentro do golpe.
     A truculência do AI-5 bateu forte em cima de Galba Gomes e de todos os concludentes da UFC: ele seria o orador oficial da solenidade de colação de grau que se realizaria na Concha Acústica da UFC. Por se recusar a modificar trechos do discurso que seria proferido na sessão solene, peça oratória de teor moderado, mas incisivo e fiel aos seus princípios do orador, a festa foi cancelada.
     O discurso só viria a ser proferido, pelo mesmo orador, 30 anos depois, no dia 12 de dezembro de 1998, em memorável solenidade na mesma Concha Acústica, sob a brisa sagrada e benfazeja da liberdade, nas palavras de Galba Gomes.

Episódios tragicômicos
   O autor nos oferece de brinde, talvez para aliviar leitura de época tão agitada, episódios  por ele chamados de trágicos e jocosos: machismo na esquerda (no qual revela mais o puritanismo dos militantes do que o machismo), detenção na DOPS (sua primeira prisão), Antonio Morais (o famoso vereador 203 da campanha de 1974), o episódio da comuna cearense da Reitoria (ocupação daquele espaço pelos estudantes em 1968), conhecendo Jean Paul Sartre, Simone de Beauvoir e Célia Guevara.
     Sobre a visita do casal Sartre-Simone de Beauvoir a Fortaleza, o escritor comete um engano: diz que o fato ocorreu em 1962. Este jornalista, que já foi ombudsman do jornal O Povo, não resiste e corrige: a visita dos dois franceses famosos ocorreu dois anos antes – 1960 – e mereceu destaque da imprensa nacional. Sartre e La Beauvoir visitaram cerca de dez cidades brasileiras, inclusive Fortaleza.    
         Intervenções brilhantes
    O Sonho é Realidade vem intercalado com artigos de pessoas companheiras da trajetória de Galba Gomes, além da apresentação de João de Paula Monteiro, prefácio de Leonardo Pildas e posfacio de Urânia Almeida Gomes (esposa do autor). Temos ainda colaborações de Wilson Gomes Belchior Fernandes, Raimundo Leopoldo Meneses Neto, Eduardo Gomes Machado, Antonio Soares Brandão, Pedro Albuquerque, Mércia Pinto, José Arlindo Soares, Inocêncio Uchoa e Sérgio C. Buarque. É o que se pode chamar de intervenções literárias.
     Todos brilhantes, mas o texto que me chamou mais atenção, pelo tom emocional e muito inteligente, foi o de Mércia Pinto: Em Dezembro de 1968: fica comigo esta noite.
     A noite do AI-5. Mércia descreve com perfeição o ambiente da tragédia dentro da tragédia, o golpe dentro do golpe. Nada mais evocativo do que lembrar o samba-canção Fica Comigo Esta Noite, sucesso de Nelson Gonçalves, lançado em 1961 e que perdurou por umas duas décadas, principalmente nos ambientes boêmios.
          Percalços
     O recém-graduado opta por fazer o mestrado em Odontologia pela Universidade de São Paulo (USP) em 1969. Um risco até para quem, a exemplo de Galba,  recusara o caminho da clandestinidade e da luta armada contra o regime ditatorial, mas que possuía antecedentes políticos. A capital paulista vive muita tensão: o auge da guerrilha urbana e também da repressão feroz, dos assassinatos e das torturas a presos políticos.
     Alcança o objetivo e retorna a Fortaleza. Conhecido na capital cearense, sua cidade adotiva, é aqui que ele enfrenta o estigma de opositor da ordem instaurada em 1964 e reforçada em 1968.  
     Começa a trabalhar num consultório de odontologia. Chega a ser preso e interrogado pelo simples fato de seu cartão de visitas ter sido encontrado em poder de um preso político. Vive três dias de muita angústia, mas é libertado. Os percalços não param: é impedido de exercer a profissão no Sindicato dos Bancários.
     É excluído do concurso para professor do Curso de Odontologia da UFC, mesmo tendo obtido vantagem na prova de títulos, escrita e didática. Submetido a assédio moral (você não deve fazer a prova, não tem chance) é reprovado na aula-experimento para o qual fora sorteado.

     Antes, em 1968, ainda estudante de Odontologia, fora demitido do Colégio Justiniano de Serpa, onde lecionava Biologia. Óbvios motivos políticos.

          Vitórias    
     Galba não desiste. Consagra-se na profissão que abraçara nas lutas da década de 60. Além de odontólogo competente e autor de trabalhos científicos, destaca-se como líder da categoria: na presidência da Associação Brasileira de Odontologia-CE e do Conselho Regionl de Odontologia  (CRO). Retoma outro antigo sonho: o de professor. Exerceu o cargo no Curso de Odontologia da Universidade de Fortaleza (Unifor), do qual foi coordenador. É mestre em Psicologia pela Unifor. Atuou ainda no serviço público, como secretário-adjunto de Saúde
     No posfácio de Urânia de Almeida Gomes, esposa de Galba, uma definição do autor:
     A integridade moral, a honestidade em relação a tudo e a todos, a fidelidade a seus conceitos, continuam os mesmos. Em relação aos amigos, são intocáveis e a eles tem toda a dedicação. Sua personalidade o tempo apenas lapidou.

    Este blogueiro assina embaixo e faz apelo: que venham mais livros.

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Resposta a Barros Alves: caminho iluminado de Tasso é o PDT

       Tasso tem ligações genéticas com o trabalhismo


                          
     Barros: da ultradireita ao neossocialismo?


     Li, com agradável surpresa, o artigo “Para onde vai Tasso Jereissati?”, de autoria do meu amigo Barros Alves, e publicado na edição de hoje (terça-feira, 26/1/16, do jornal O Povo). Alegra-me sobremaneira a profissão de fé do autor na legítima social democracia e, na sua vertente mais avançada, o socialismo democrático. A euforia é maior quando vejo que o autor assina o artigo como secretário-geral do Partido Socialista Brasileiro (PSB).


     Confesso que imaginava Barros Alves, a essas alturas do radicalismo da vida política nacional, a envergar camisa preta e a entoar loas a Benito Mussolini e aos patológicos ultradireitistas brasileiros Olavo de Carvalho, Jair Bolsonaro ou aos extremistas neoliberais Reinaldo Azevedo e Rodrigo Constantino.
     Auguri, auguri tanti, como dizem os italianos, ou seja, que essa mudança seja prenúncio, prefiguração, augúrio, de outras melhores que estão por acontecer.
     Sempre tive bom relacionamento com Barros Alves, quando cobria política na Assembleia Legislativa para o jornal O Povo e, depois, quando passei a frequentar uma livraria que ele mantinha na Avenida Dom Manuel, destinada a empréstimos de livros a leitores. Ideia das melhores.
     Leitor voraz, eu admirava – e ainda admiro – Barros Alves pelo amor e dedicação que ele dispensa aos livros e aos autores clássicos. Escritores e poetas de uma maneira geral. Estávamos sempre a debater e comentar a respeito de autores nacionais e estrangeiros. Infelizmente, o negócio de livros que ele mantinha não foi para frente, a exemplo do que acontece com a maioria dos empreendimentos culturais neste País. Uma pena. Mas a amizade e as conversas continuaram.
     Na eleição presidencial de 2010, no entanto, a primeira que Dilma Rousseff disputou – e ganhou – eu reencontro, nas redes sociais, mais precisamente no Facebook, um Barros Alves na extrema-direita, rancoroso e agressivo. A desancar a candidata do PT e partidos aliados à Presidência da República, e o que ele chamava de “petralhas” e “comunas”.  Trocamos algumas palavras ásperas e resolvi bloqueá-lo no Facebook a fim de que a situação não evoluísse para rompimento pessoal, o que, felizmente, não aconteceu. Minha admiração e estima por Barros Alves continuou. Acredito que haja reciprocidade. Já nos encontramos posteriormente e sempre nos saudamos amigavelmente.
     Mas, voltemos ao artigo de Barros Alves que me despertou curiosa atenção. Diz o articulista: “Neste momento em que se abate sobre o Brasil uma crise ética e econômica sem precedentes na nossa história, Jereissati (Tasso) tem sido referência de firmeza e de prudência no Congresso Nacional. No Ceará todos sonham com o seu apoio nos embates político-eleitorais que se avizinham. O líder social democrata, antes demonizado pela esquerda, hoje é cortejado por muitos espectros político-ideológicos do nosso Estado, aí incluindo a mesma esquerda lulo-petista que o apedrejava”.
     Partilho, até certo ponto,  das considerações feitas pelo autor. Mas, data vênia o neossocialista Barros Alves: devo lembrá-lo que, em 1986, Tasso Jereissati, foi eleito governador do Ceará com o apoio da maioria da esquerda cearense. Incluo nesse leque o Partido Comunista do Brasil (PCdoB), o Partido Comunista Brasileiro (PCB) e o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), este último abrigado como tendência do PMDB (Partido Democrático Brasileiro), sigla pela qual Tasso Jereissati disputou – e foi vitorioso – o Governo do Estado. O Partido dos Trabalhadores (PT), na esquerda, foi o único que não o apoiou e lançou padre Haroldo como candidato à sucessão estadual.
     Barros Alves prossegue e sugere mais avanços político-ideológicos a Tasso Jereissati: “Todavia, há que se firmar na ideia de que, pelo menos no Ceará atual, não há caminho mais iluminado para Tasso Jereissati e o PSDB do que o socialismo democrático com raízes no pensamento que, ao longo da história, se irmana, de forma siamesa, com a social democracia”.
     Peço licença para contrariar o articulista mais uma vez. Pela herança genética de Tasso Jereissati o “caminho mais iluminado” seria apoiar, nessa disputa municipal, o Partido Democrático Trabalhista (PDT), herdeiro legítimo do trabalhismo de Getúlio Vargas, João Goulart e, principalmente, Leonel Brizola. O pai de Tasso Jereissati, senador Carlos Jereissati, foi amigo e correligionário dessas três personalidades históricas.
     Vargas, Goulart e Brizola sofreram na carne as mesmas terríveis pressões que Dilma Rousseff padece agora por parte da grande mídia e das mesmas forças reacionárias. O primeiro respondeu aos inimigos com o heroico gesto do suicídio, o segundo foi deposto e o terceiro amargou longo exílio, retornando ao Brasil para retomar a herança trabalhista, acrescentando o tempero “socialista moreno”, expressão cunhada por Brizola. Se Barros Alves cita proeminentes figuras intelectuais do PSB, o PDT o supera com nomes da estirpe de Alberto  Pasqualini, Darci Ribeiro e Abdias Nascimento, entre tantos outros.

     Além de tudo isso, Tasso Jereissati mantém relações de amizade com o pré-candidato do PDT à Presidência da República Ciro Gomes e seria natural seu apoio ao postulante pedetista ao  Paço Municipal em Fortaleza.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Morte de Benedict Anderson coincide com os 50 anos do genocídio ideológico na Indonésia

     
Benedict Anderson e a professora Monica Dias Martins


Os 50 anos do genocídio ideológico na Indonésia – ocorrido no final de 1965 e início de 1966 no qual morreram entre 600 mil a um milhão de pessoas – coincidem com a morte do cientista político Benedict Anderson, 79 anos, em 13 de dezembro último (2015).  Um verdadeiro cidadão do mundo, ele nasceu na China, filho de um casal de irlandeses, e tinha cidadania norte-americana. Além de tudo isso, era muito ligado à Indonésia.
     Benedict Anderson esteve no último mês de agosto (2015) em Fortaleza, a convite da Universidade Estadual do Ceará (Uece) e Observatório das Nacionalidades. Na capital cearense participou de uma roda de conversas e lançou seu último livro: Sob Três Bandeiras. Em 2005, ele já havia estado em  Fortaleza. Na ocasião, foi entrevistado para o jornal O Povo pelo editor deste blog.
Autor do livro Comunidades Imaginárias, Benedict Anderson era, no Ocidente, um dos maiores conhecedores desse país misterioso e imprevisível: a Indonésia. Estava ali quando aconteceram os massacres e de lá foi expulso, em 1972, por ter denunciado os graves crimes contra a humanidade cometidos naquela nação asiática entre o  final de 1965 e o começo de 1966. Outra coincidência: a morte do professor Benedict Anderson ocorreu em Malang, nessa mesma Indonésia, uma de suas quatro pátrias.  Ele estava ligado por vínculos de nascimento à China, familiares (Irlanda e Inglaterra) e cidadania (Estados Unidos).
“OBSERVADOR DE ESTRELAS”
     Um dia após a morte de Benedict Andersom, o Observatório das Nacionalidades divulgou a seguinte nota de pesar:
      “No domingo, dia 13 de dezembro de 2015, o mundo perdeu um de seus mais inquietos observadores de estrelas, como ficou conhecido o autor Benedict Anderson para aqueles que o conheceram e tiveram a oportunidade de compartir seus conhecimentos no grupo de pesquisa Observatório das Nacionalidades e em suas aulas e palestras em redor do mundo. Assim, um "inquieto observador de estrelas" foi a forma como o descreveu a professora Monica Martins, coordenadora do Observatório das Nacionalidades, que teve o prazer e a honra de debater ideias com Anderson e de quem tornou-se amiga.
     Cientista político, professor emérito na Universidade Cornell, autor do clássico "Comunidades Imaginadas", Anderson, cidadão do mundo, deixou nossas companhias desde sua adorada Indonésia, que aguçou sua curiosidade, norteou seus estudos e legou ao mundo um estudioso que exerceu, e há ainda de exercer, profunda influência sobre aqueles que se dedicam aos estudos da nação e da formação da entidade nacional.
Em agosto deste ano, em parceria com a Universidade Estadual do Ceará, o Observatório das Nacionalidades proporcionou o que agora sabemos ter sido sua derradeira visita a uma cidade pela qual, por diversas vezes, declarou seu querer bem, Fortaleza. Na ocasião, além de participar de uma roda de conversas, Benedict Anderson lançou seu último livro, "Sob Três Bandeiras".
É com pesar que colegas professores, alunos e amigos queridos se despedem de "Ben", como era conhecido nos círculos mais chegados. Com sua partida, perdemos todos. Sua vida, contudo, é algo a celebrar. O conhecimento proporcionado; o clássico produzido; as questões levantadas ainda sem resposta; o carinho e cuidado no trato de todos, graduandos ou doutores. O inquieto observador de estrelas há agora de observar as inquietudes que deixou por aquietar”.

MONICA DIAS MARTINS: UM INTELECTUAL AVESSO  ÀS VAIDADES
A professora da Uece  Mônica Dias Martins prestou  o seguinte depoimento sobre a personalidade de  Anderson ao Blog  Coluna da Hora:
“Benedict Anderson esteve em Fortaleza em 2005, e meu texto "Um Inquieto Observador das Estrelas", que serve de prefácio à edição brasileira de Sob Três Bandeiras: anarquismo e imaginação anticolonial (EdUECE-Unicamp, 2015)", contém um esboço de perfil desse grande pensador. Em dez anos, a primeira impressão se manteve viva!
Ben, como gostava de ser chamado, era um intelectual de renome cujo jeito simples e gentil cativava aqueles que tiveram o privilégio de o conhecer. Perspicaz e curioso sempre estava indagando sobre o que via e ouvia. Adorava conversar com jovens e respondia a todas as suas perguntas com grande atenção. Não gostava de grandes eventos, de conferências  cercadas de pompa. Segundo comentava, isso o distanciava do contato pessoal, ao qual atribuía importância. Foi assim na última vez que esteve na Universidade Estadual do Ceará, em Fortaleza, Dia 19 de agosto, no lançamento de seu livro estava tímido, mas na roda de conversa com colegas e estudantes era outra pessoa, falante e alegre. Era nesses momentos, em “petit comitê”, que mostrava seu lado de intelectual inquieto e observador, que não se contentava com  qualquer explicação para os fenomenos que o interessavam, como a literatura, o grafitte, as migrações, o Sudeste Asiático, etc. Sempre que vinha ao Ceará fazia questão de visitar comunidades indígenas e quilombolas, os pescadores, no Iguape, povoado em que passava uns dias descansando do trabalho e olhando as estrelas.

Cientista político Benedict Anderson em roda de conversa
em sua última visita a Fortaleza

O depoimento do próprio Ben, por ocasião de sua primeira visita a Fortaleza,  publicado na revista Tensões Mundiais (www.tensoesmundiais.net) v.1, n.1 Jul-dez 2005, revela como ele avaliava "Comunidades Imaginadas", sua obra mais conhecida e um marco no estudo das nacionalidades, tema que parecia fadado a segundo plano no ano de seu aparecimento, 1983:
Vejo o novo livro como uma correção de “Immagined Communities”. Imagine que você está na praia à noite e, olhando para o céu, vê aquele monte de estrelas ali paradas. Você pensa que amanhã elas vão estar do mesmo jeito que ontem e daqui a dez anos continuarão como hoje. Muitas vezes se pensava as nações assim, como identidades fixas, só que isso é uma ilusão tanto para as nações como para as estrelas, que estão em relação umas com as outras, têm campos gravitacionais que você não vê, mas que agora se sabe que existem. O estudo comparativo dos nacionalismos, tal como era feito, de certo modo, se assemelha à astronomia antiga, em que você não consegue perceber o movimento dos astros.
Entendo a globalização como essa espécie de campo gravitacional e tento ver as nações em movimento, atravessando suas próprias fronteiras nacionais e com campos de força, por exemplo, as forças políticas e econômicas. O islamismo atravessa várias nações, é globalizado e não centralizado em uma só fronteira. Existem também os movimentos antiglobalização, feministas, de defesa das minorias sexuais, camponeses, indígenas. Olhando para eles você pode ver a energia, o movimento que em um mero estudo comparativo entre países não conseguiria perceber. Under three flags não é uma simples correção, mas, talvez, uma certa mudança no paradigma de como se estuda o nacionalismo.
Finaliza a professora Monica Dias Martins:
“Guardarei para sempre os ensinamentos deste intelectual avesso às vaidades tão comuns na academia. Ben deixou de lado interpretações clássicas e não fez concessões aos modismos. Distanciou-se da visão eurocêntrica dominante nos que estudam com fervores respeitosos a nação e nos deixou uma obra inovadora que ganhou reconhecimento mundial. Uma pessoa inesquecível para os que tiveram o privilégio de com ele conviver!”.

ÓDIO ACUMULADO CAUSA A MORTE DE UM MILHÃO DE PESSOAS NA INDONÉSIA

Corpos de vítimas dos massacres da Indonésia

Entre 600 mil a um milhão de mortos.  Há 50 anos, ou mais precisamente entre outubro  de 1965 e março de 1966, na  Indonésia, ocorria um dos maiores massacres da história da humanidade: a eliminação de comunistas, colaboradores, simpatizantes, suspeitos (muitos deles inocentes) de ligação com  o Partido Comunista da Indonésia (PKI), posto na ilegalidade após tentativa de golpe militar supostamente esquerdista em 30  de setembro de 1965. Nos massacres foram mortos também socialistas, outros esquerdistas não-comunistas e integrantes da comunidade étnica chinesa (minoritária no país).
     Alguns generais e outros oficiais foram mortos durante  a tentativa de golpe. Foi o pretexto para o exército indonésio dar início ao  contra-golpe e ao  extermínio de comunistas e esquerdistas, além de outros grupos políticos.
     O banho de sangue é pouco conhecido no Ocidente, embora existam filmes sobre a matança (O Ano em que Vivemos e Perigo e o estranho documentário Act of Killing). Historiadores  e cientistas políticos, no entanto, se debruçaram sobre o assunto e muitos livros e estudos foram  escritos.  O editor deste blog teve a honra de entrevistar um  deles: o  irlandês-americano (nascido na China!) Benedict Anderson,  que visitou Fortaleza  em 2005 e concedeu entrevista ao  jornal  O Povo. Eu fui o entrevistador. Anderson voltaria a Fortaleza em agosto de 2015. Em  13 de dezembro  do ano passado (2015) Anderson  veio a falecer  na Indonésia, país ao qual  ele era muito ligado.
A Indonésia povoa minha imaginação desde os tempos de adolescente, leitor voraz e ouvinte das emissoras de rádio em ondas curtas (Rádio Central  de Moscou,  Rádio Pequim,  Rádio Tirana, Rádio Havana, BBC de Londres, RTF (Radiodifusion et Télévision Française,  hoje Radio  France Internationale  e Voz da América).      Foi através dessas rádios que eu, com 15,  16 anos de idade,  tomei conhecimento desses tenebrosos massacres, no plural, porque eles não ocorreram de uma só vez, mas em levas sucessivas de outubro de 1965 até março do ano seguinte. As notícias sobre o genocídio – a verdadeira dimensão do massacre ou dos massacres -  só vieram a ser divulgadas posteriormente, mesmo assim nas emissoras de rádio dos países comunistas. Na imprensa ocidental, quase silêncio  total.

O QUE ACONTECEU


General Suharto, o Pinochet asiático 
(à direita em primeiro plano)

Os Massacres de 1965-1966 foram assassinatos em grande escala que ocorreram na Indonésia ao longo de muitos meses, tendo como alvo os comunistas, esquerdistas e pessoas pertencentes à comunidade da minoria étnica chinesa, muitas vezes por iniciativa das forças armadas.
Houve expurgo anticomunista logo após um golpe fracassado de Movimento 30 de Setembro na Indonésia (supostamente esquerdista). As estimativas mais aceitas são que mais de 500.000 e um milhão de pessoas foram mortas. O expurgo foi um evento crucial na transição para o "Nova Ordem", bem como a eliminação do Partido Comunista Indonésio (PKI) como força política . A reação do exército indonésio à rebelião fracassada levou à queda do presidente Sukarno e o início de três décadas da presidência de Suharto, uma espécie de Pinochet asiático.
     O fracassado golpe supostamente esquerdista despertou ódios comuns acumulados ao longo de décadas, atiçados pelo exército indonésio, que rapidamente culpou o PKI pelo assassinato de militares na rebelião. Os comunistas foram expurgados da vida política, social e militar, e o próprio PKI foi proibido. Os massacres começaram em outubro de 1965, nas semanas seguintes a tentativa de golpe, e atingiram seu pico durante o restante do ano até diminuírem nos primeiros meses de 1966. Eles começaram na capital, Jacarta, e se espalharam para Java (Central e Leste), mais tarde, para Bali. Milhares de grupos paramilitares  locais e unidades do exército mataram militantes reais ou supostos simpatizantes do PKI. Embora mortes ocorreram em toda a Indonésia, as maiores carnificinas aconteceram nos grandes redutos do PKI de Java Central, Java Oriental, Bali e Sumatra do norte. É possível que mais de um milhão de pessoas foram presas.
     O presidente deposto Sukarno teve a sua doutrina"Nasakom" (nacionalismo, religião e comunismo) rompida. Seu pilar mais importante de apoio, o Partido Comunista da Indonésia (PKI), foi efetivamente eliminado pelos outros dois pilares: o exército e islamismo político; e o exército buscava e conseguiu o poder total. Em março de 1967, Sukarno foi destituído pelo Parlamento provisório da Indonésia do pouco poder que ainda lhe restava. Suharto foi nomeado Presidente interino. Em março de 1968, Suharto foi formalmente eleito presidente.
     Os assassinatos são omitidos na maioria dos livros didáticos de história da Indonésia e têm recebido pouca reflexão por parte do povo indonésio. Isso se deve ao regime de Suharto que governou por mais de três décadas. Explicações satisfatórias para a escala e o frenesi da violência têm desafiado os estudiosos de todos os matizes ideológicos. A possibilidade de um retorno a levantes semelhantes é citada como fator de conservadorismo político do governo da "Nova Ordem" e um controle apertado do sistema político. Vigilância contra uma ameaça comunista continuou a ser uma marca de três décadas da presidência de Suharto.
A CIA (central norte-americana de inteligência) nega participação ativa nas mortes. Sabe-se, no entanto, que o governo americano forneceu extensas listas de comunistas a esquadrões da morte da Indonésia.
     Um relatório ultrassecreto da CIA, no entanto, reconhece que “os massacres de 1965/1966 foram um dos piores assassinatos em massa do século XX e compara-se aos expurgos soviéticos da década de 1930, os assassinatos em massa praticados pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial, e ao banho de sangue maoísta do início dos anos 1950 ". Fonte: Wikipédia (versão em inglês).