Benedict Anderson e a professora Monica Dias Martins
Os 50 anos
do genocídio ideológico na Indonésia – ocorrido no final de 1965 e início de
1966 no qual morreram entre 600 mil a um milhão de pessoas – coincidem com a
morte do cientista político Benedict Anderson, 79 anos, em 13 de dezembro
último (2015). Um verdadeiro cidadão do mundo,
ele nasceu na China, filho de um casal de irlandeses, e tinha cidadania
norte-americana. Além de tudo isso, era muito ligado à Indonésia.
Benedict
Anderson esteve no último mês de agosto (2015) em Fortaleza, a convite da Universidade
Estadual do Ceará (Uece) e Observatório das Nacionalidades. Na capital cearense
participou de uma roda de conversas e lançou seu último livro: Sob Três Bandeiras. Em 2005, ele já
havia estado em Fortaleza. Na ocasião,
foi entrevistado para o jornal O Povo
pelo editor deste blog.
Autor do
livro Comunidades Imaginárias,
Benedict Anderson era, no Ocidente, um dos maiores conhecedores desse país
misterioso e imprevisível: a Indonésia. Estava ali quando aconteceram os
massacres e de lá foi expulso, em 1972, por ter denunciado os graves crimes contra
a humanidade cometidos naquela nação asiática entre o final de 1965 e o começo de 1966. Outra
coincidência: a morte do professor Benedict Anderson ocorreu em Malang, nessa
mesma Indonésia, uma de suas quatro pátrias.
Ele estava ligado por vínculos de nascimento à China, familiares
(Irlanda e Inglaterra) e cidadania (Estados Unidos).
“OBSERVADOR DE ESTRELAS”
Um dia após
a morte de Benedict Andersom, o Observatório das Nacionalidades divulgou a
seguinte nota de pesar:
“No domingo, dia 13 de dezembro de 2015, o
mundo perdeu um de seus mais inquietos observadores de estrelas, como ficou
conhecido o autor Benedict Anderson para aqueles que o conheceram e tiveram a
oportunidade de compartir seus conhecimentos no grupo de pesquisa Observatório
das Nacionalidades e em suas aulas e palestras em redor do mundo. Assim, um
"inquieto observador de estrelas" foi a forma como o descreveu a
professora Monica Martins, coordenadora do Observatório das Nacionalidades, que
teve o prazer e a honra de debater ideias com Anderson e de quem tornou-se
amiga.
Cientista
político, professor emérito na Universidade Cornell, autor do clássico
"Comunidades Imaginadas", Anderson, cidadão do mundo, deixou nossas
companhias desde sua adorada Indonésia, que aguçou sua curiosidade, norteou
seus estudos e legou ao mundo um estudioso que exerceu, e há ainda de exercer,
profunda influência sobre aqueles que se dedicam aos estudos da nação e da
formação da entidade nacional.
Em agosto
deste ano, em parceria com a Universidade Estadual do Ceará, o Observatório das
Nacionalidades proporcionou o que agora sabemos ter sido sua derradeira visita
a uma cidade pela qual, por diversas vezes, declarou seu querer bem, Fortaleza.
Na ocasião, além de participar de uma roda de conversas, Benedict Anderson
lançou seu último livro, "Sob Três Bandeiras".
É com pesar
que colegas professores, alunos e amigos queridos se despedem de
"Ben", como era conhecido nos círculos mais chegados. Com sua
partida, perdemos todos. Sua vida, contudo, é algo a celebrar. O conhecimento
proporcionado; o clássico produzido; as questões levantadas ainda sem resposta;
o carinho e cuidado no trato de todos, graduandos ou doutores. O inquieto
observador de estrelas há agora de observar as inquietudes que deixou por
aquietar”.
MONICA DIAS MARTINS: UM INTELECTUAL AVESSO ÀS VAIDADES
A professora
da Uece Mônica Dias Martins prestou o seguinte depoimento sobre a personalidade
de Anderson ao Blog Coluna da Hora:
“Benedict
Anderson esteve em Fortaleza em 2005, e meu texto "Um Inquieto Observador
das Estrelas", que serve de prefácio à edição brasileira de Sob Três Bandeiras: anarquismo e imaginação
anticolonial (EdUECE-Unicamp, 2015)", contém um esboço de perfil desse
grande pensador. Em dez anos, a primeira impressão se manteve viva!
Ben, como
gostava de ser chamado, era um intelectual de renome cujo jeito simples e
gentil cativava aqueles que tiveram o privilégio de o conhecer. Perspicaz e
curioso sempre estava indagando sobre o que via e ouvia. Adorava conversar com
jovens e respondia a todas as suas perguntas com grande atenção. Não gostava de
grandes eventos, de conferências
cercadas de pompa. Segundo comentava, isso o distanciava do contato
pessoal, ao qual atribuía importância. Foi assim na última vez que esteve na
Universidade Estadual do Ceará, em Fortaleza, Dia 19 de agosto, no lançamento
de seu livro estava tímido, mas na roda de conversa com colegas e estudantes
era outra pessoa, falante e alegre. Era nesses momentos, em “petit comitê”, que
mostrava seu lado de intelectual inquieto e observador, que não se contentava
com qualquer explicação para os
fenomenos que o interessavam, como a literatura, o grafitte, as migrações, o
Sudeste Asiático, etc. Sempre que vinha ao Ceará fazia questão de visitar
comunidades indígenas e quilombolas, os pescadores, no Iguape, povoado em que
passava uns dias descansando do trabalho e olhando as estrelas.
O depoimento
do próprio Ben, por ocasião de sua primeira visita a Fortaleza, publicado na revista Tensões Mundiais
(www.tensoesmundiais.net) v.1, n.1 Jul-dez 2005, revela como ele avaliava
"Comunidades Imaginadas", sua obra mais conhecida e um marco no
estudo das nacionalidades, tema que parecia fadado a segundo plano no ano de
seu aparecimento, 1983:
Vejo o novo livro como uma correção
de “Immagined Communities”. Imagine que você está na praia à noite e, olhando
para o céu, vê aquele monte de estrelas ali paradas. Você pensa que amanhã elas
vão estar do mesmo jeito que ontem e daqui a dez anos continuarão como hoje.
Muitas vezes se pensava as nações assim, como identidades fixas, só que isso é
uma ilusão tanto para as nações como para as estrelas, que estão em relação
umas com as outras, têm campos gravitacionais que você não vê, mas que agora se
sabe que existem. O estudo comparativo dos nacionalismos, tal como era feito,
de certo modo, se assemelha à astronomia antiga, em que você não consegue
perceber o movimento dos astros.
Entendo a globalização como essa
espécie de campo gravitacional e tento ver as nações em movimento, atravessando
suas próprias fronteiras nacionais e com campos de força, por exemplo, as
forças políticas e econômicas. O islamismo atravessa várias nações, é
globalizado e não centralizado em uma só fronteira. Existem também os
movimentos antiglobalização, feministas, de defesa das minorias sexuais,
camponeses, indígenas. Olhando para eles você pode ver a energia, o movimento
que em um mero estudo comparativo entre países não conseguiria perceber. Under
three flags não é uma simples correção, mas, talvez, uma certa mudança no
paradigma de como se estuda o nacionalismo.
Finaliza a
professora Monica Dias Martins:
“Guardarei
para sempre os ensinamentos deste intelectual avesso às vaidades tão comuns na
academia. Ben deixou de lado interpretações clássicas e não fez concessões aos
modismos. Distanciou-se da visão eurocêntrica dominante nos que estudam com
fervores respeitosos a nação e nos deixou uma obra inovadora que ganhou
reconhecimento mundial. Uma pessoa inesquecível para os que tiveram o
privilégio de com ele conviver!”.
ÓDIO ACUMULADO CAUSA A MORTE DE UM MILHÃO DE PESSOAS NA INDONÉSIA
Corpos de vítimas dos massacres da Indonésia
Entre 600 mil a um milhão de mortos. Há 50 anos, ou mais precisamente entre
outubro de 1965 e março de 1966, na Indonésia, ocorria um dos maiores massacres
da história da humanidade: a eliminação de comunistas, colaboradores, simpatizantes,
suspeitos (muitos deles inocentes) de ligação com o Partido Comunista da Indonésia (PKI), posto
na ilegalidade após tentativa de golpe militar supostamente esquerdista em
30 de setembro de 1965. Nos massacres foram
mortos também socialistas, outros esquerdistas não-comunistas e integrantes da comunidade
étnica chinesa (minoritária no país).
Alguns generais e outros oficiais foram mortos durante a tentativa de golpe. Foi o pretexto para o
exército indonésio dar início ao
contra-golpe e ao extermínio de
comunistas e esquerdistas, além de outros grupos políticos.
O banho de sangue é pouco conhecido no Ocidente, embora
existam filmes sobre a matança (O Ano em
que Vivemos e Perigo e o estranho documentário Act of Killing). Historiadores
e cientistas políticos, no entanto, se debruçaram sobre o assunto e
muitos livros e estudos foram
escritos. O editor deste blog
teve a honra de entrevistar um deles:
o irlandês-americano (nascido na China!)
Benedict Anderson, que visitou Fortaleza
em 2005 e concedeu entrevista ao jornal
O Povo. Eu fui o
entrevistador. Anderson voltaria a Fortaleza em agosto de 2015. Em 13 de dezembro do ano passado (2015) Anderson veio a falecer na Indonésia, país ao qual ele era muito ligado.
A Indonésia povoa minha imaginação desde os tempos de
adolescente, leitor voraz e ouvinte das emissoras de rádio em ondas curtas
(Rádio Central de Moscou, Rádio Pequim,
Rádio Tirana, Rádio Havana, BBC de Londres, RTF (Radiodifusion et
Télévision Française, hoje Radio France Internationale e Voz da América). Foi através dessas rádios
que eu, com 15, 16 anos de idade, tomei conhecimento desses tenebrosos
massacres, no plural, porque eles não ocorreram de uma só vez, mas em levas
sucessivas de outubro de 1965 até março do ano seguinte. As notícias sobre o
genocídio – a verdadeira dimensão do massacre ou dos massacres - só vieram a ser divulgadas posteriormente,
mesmo assim nas emissoras de rádio dos países comunistas. Na imprensa
ocidental, quase silêncio total.
Os Massacres de 1965-1966 foram assassinatos em grande
escala que ocorreram na Indonésia ao longo de muitos meses, tendo como alvo os
comunistas, esquerdistas e pessoas pertencentes à comunidade da minoria étnica
chinesa, muitas vezes por iniciativa das forças armadas.
Houve expurgo anticomunista logo após um golpe fracassado de Movimento 30 de Setembro na Indonésia (supostamente esquerdista). As estimativas
mais aceitas são que mais de 500.000 e um milhão de pessoas foram mortas. O
expurgo foi um evento crucial na transição para o "Nova Ordem", bem
como a eliminação do Partido Comunista Indonésio (PKI) como força política . A
reação do exército indonésio à rebelião fracassada levou à queda do presidente
Sukarno e o início de três décadas da presidência de Suharto, uma espécie de
Pinochet asiático.
O fracassado golpe supostamente esquerdista despertou ódios
comuns acumulados ao longo de décadas, atiçados pelo exército indonésio, que
rapidamente culpou o PKI pelo assassinato de militares na rebelião. Os
comunistas foram expurgados da vida política, social e militar, e o próprio PKI
foi proibido. Os massacres começaram em outubro de 1965, nas semanas seguintes
a tentativa de golpe, e atingiram seu pico durante o restante do ano até diminuírem
nos primeiros meses de 1966. Eles começaram na capital, Jacarta, e se
espalharam para Java (Central e Leste), mais tarde, para Bali. Milhares de
grupos paramilitares locais e unidades
do exército mataram militantes reais ou supostos simpatizantes do PKI. Embora
mortes ocorreram em toda a Indonésia, as maiores carnificinas aconteceram nos
grandes redutos do PKI de Java Central, Java Oriental, Bali e Sumatra do norte.
É possível que mais de um milhão de pessoas foram presas.
O presidente deposto Sukarno teve a sua doutrina"Nasakom"
(nacionalismo, religião e comunismo) rompida. Seu pilar mais importante de
apoio, o Partido Comunista da Indonésia (PKI), foi efetivamente eliminado pelos
outros dois pilares: o exército e islamismo político; e o exército buscava e
conseguiu o poder total. Em março de 1967, Sukarno foi destituído pelo
Parlamento provisório da Indonésia do pouco poder que ainda lhe restava.
Suharto foi nomeado Presidente interino. Em março de 1968, Suharto foi formalmente
eleito presidente.
Os assassinatos são omitidos na maioria dos livros didáticos
de história da Indonésia e têm recebido pouca reflexão por parte do povo
indonésio. Isso se deve ao regime de Suharto que governou por mais de três
décadas. Explicações satisfatórias para a escala e o frenesi da violência têm
desafiado os estudiosos de todos os matizes ideológicos. A possibilidade de um
retorno a levantes semelhantes é citada como fator de conservadorismo político
do governo da "Nova Ordem" e um controle apertado do sistema
político. Vigilância contra uma ameaça comunista continuou a ser uma marca de
três décadas da presidência de Suharto.
A CIA (central norte-americana de inteligência) nega
participação ativa nas mortes. Sabe-se, no entanto, que o governo americano
forneceu extensas listas de comunistas a esquadrões da morte da Indonésia.
Um relatório ultrassecreto da CIA, no entanto, reconhece que
“os massacres de 1965/1966 foram um dos piores assassinatos em massa do século
XX e compara-se aos expurgos soviéticos da década de 1930, os assassinatos em
massa praticados pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial, e ao banho de
sangue maoísta do início dos anos 1950 ". Fonte: Wikipédia (versão em inglês).
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